sábado, 19 de maio de 2012

Um soldado extremista


Logo que ele chegou à casa, foi recepcionado por uma placa azul e vermelha, luminosa. Árvores abrandavam a casa no meio da floresta. Assim que entrou, viu mulheres semi despidas, e uma senhora com seu charme inglês. A pele esbranquiçada pelas luzes, o batom forte. Sem pensar subiu as escadas encarando-a. Madame Ângela Bernarda.
No meio de uma explosão de emoções, homens de guerra freqüentavam a casa para se aliviar. Mas aquele homem era diferente, só foi porque havia bebido muito. Entre braços e volúpias, uma explosão de prazer. Porém viu-se numa dualidade de sua existência, como se todo o juízo e destreza tivesse saído no gozar do colo de Madame.
Ele tinha um amigo, um único, que sempre estava ao seu lado no campo de batalha. O amigo se chamava Heifield. Era fiel, bondoso, mas safado. Ia toda semana à casa de Madame, saia com mulheres, vezes namorava, vezes só usava certos dons que recebeu com a vida. Heifield era solteiro, não havia deixado mulher em casa, diferentemente dele. 
Agora estava preocupado, depois de ter sentido o prazer acolhedor da dona do bacaré, sentia-se em dúvida, seus sentimentos vagavam num ar despreocupado do espaço, suas emoções estavam como estrelas cadentes que perderam seu rumo e estão trombando uma nas outras.
Sentimentos soltos ao vento. No campo de batalha. Silêncio. Guardava as armas nas costas e no braço, pernas apoiadas no barro. Heifield do lado, apoiando-o. Não conseguia parar de pensar em sua esposa, grávida, de oito meses, prestes a parir seu filho.
Não conseguia parar de pensar na traição. Madame Ângela Bernarda, destruindo famílias a duas gerações. Esse devia ser um lema, pensava ele. Por mais que tentasse esquecer, o pensamento sempre voltava ao mesmo ponto. Fuzileiros apareceram, viram Heifield, atacaram. Atrás da bancada de sacos de pedra, estavam protegidos, e revidaram o ataque. Mais homens mortos. Por quem estou matando? 
Saíra do seu país, defendia-o da guerra, para que essa não chegasse até sua esposa, sua família, seus amigos. E estava fazendo um bom trabalho, mas pensava. Quantas famílias eu já destruí, só nesse inverno? Heifield estava calado. Depois do último ataque ficaram silenciosos. Não só para se proteger. Mas a cada tiro disparado, um passo a mais perto do inferno. 
Com o silêncio, sua mente não conseguia para de pensar em Madame Ângela Bernarda, ao mesmo tempo que não parava de pensar em sua esposa. Decidiu enfim.
Tornei-me assassino, matei homens, famílias, amores, vi corpos estremecerem na lama, vidas sem dignidade, matanças em vão, ao invés de descansar, bebi, traí a única pessoa que me perdoaria por ter me tornado um assassino.
Dormi com uma prostituta, velha, agourenta, exploradora. Era mais fácil não existir, seria mais fácil não ter nascido.
Já não há vida lá fora, todas as manhãs quando acordo vejo o cinza dos céus e da terra, barulhos amedrontáveis. Tiros, bombas, silhuetas desesperançadas.
Finalmente, é a hora. 

Caro amor,

Tenho pensado enfim, na condição do nosso amor consumado. Os frutos estão chegando, a vida faz parte da nossa alma. encontrei uma razão para existir onde não havia esperança. Lutei pelo país. Perdi meus Escrúpulos. Traí. 
Na amedrontada guerra, que parece nunca ter fim, homens se entregam à morte como quem não consegue apoiar a própria vida.
A minha razão de viver se foi. Junto com uma explosão de furiosas emoções, que me lançaram no perdido mar de escuridão que é a tristeza. 
Um outro tempo que jaz a melancolia que só aqui existe.
Entre as tristezas e as lamentações, te entrego meu amor, através dessa carta, que abençôo com meus lábios poluídos. Um beijo.
Espero que consiga sentir o cheiro desse lugar. Para que se de tristeza chorar, sua lágrima possa me retirar a culpa e libertar minha alma. Pois só assim serei livre.
Me liberte.
Adeus

Com amor, seu ex futuro pai.

Dobrou a carta, guardou-a, no outro dia, entregou no correio militar. Deu um abraço tão forte em Heifield que o fez sentir medo. Guardou o amor, dentro de si e nas estrelas escondidas pelas nuvens de poeira. Abrandou o coração. 
Naquele dia foram atacados. 
Antes que uma bomba chegasse a atingir os militares e Heifield, saltou no meio do campo de batalha. Tiros. Gritos. Respirações curtas. Um filme. O sol. um túnel com anjos. Tudo ficou escuro.
Heifield chorou. Sentou-se, largou a arma, e não conseguia mais pensar.
Dois meses depois, recebeu a carta de seu amigo, já em casa, duas semanas após o fim da guerra, a carta retornou, e como ele já se fora, entregaram-na a Heifield que conseguiu ler entre alguns borrões de mãos molhadas.
Destinatário (a) falecido (a).

Nenhum comentário:

Postar um comentário