sábado, 19 de maio de 2012

Peitoril


Se quer saber, ontem eu vomitei a noite toda, e a culpa é sua! Sua sim, quem mandou me deixar a beira de um precipício sem saída. Pedi o fim porque não agüentaria mais tanta pressão. Casamentos encerrados para que fiquemos juntos. Crianças órfãs. Nesse deserto de solidão iriam se encontrar o seu corpo e o meu, juntos, lado a lado, enfrentando o amor da morte. Apenas abutres sobrevoariam nossas cabeças. Porque tudo isso tem que acontecer. Porque simplesmente não podemos ficar entre as opções. A liberdade para nós não existe mesmo. Não precisa ser a morte ou a vida, o amor ou a obrigação. Poderíamos apenas fugir. Deixasse a casa para trás, porque você desistiu tão fácil de mim? Chego a pensar que nunca fui nada. A casa pagaria a comida e o alimento escolar até que se resolvesse a idade das crianças. Sei que você pensava que iriam atrás de você de qualquer forma. Polícia; Família; Esposa; Exército; Marinha; Aeronáutica; Lampião.
Que maldição deixou em minha vida. A sina de vomitar nosso amor pela janela jogando escrotos na cabeça das pessoas. As pobres coitadas saem gritando. Maluco, Maluco, Doido e quando mostro meu pau na janela elas me chamam de jumento ou tarado. Estou assim! Sem juízo, por causa de você, a sanidade foi embora, e eu vomito mais. Os enjôos são freqüentes, mas não estou grávido, só com saudades. Por favor. Volte, Deixe sua mulher com as crianças, entraremos num acordo. Ninguém irá te matar! Fique tranqüilo. E daí que o pai dela é militar. Vamos escondidos a um outro lugar. Mande o dinheiro e pronto. Ninguém poderá te condenar assim. Família... Família... eis a condenação da liberdade, família e sociedade. Não permita que o mundo o deixe assim, infeliz, preso dentro de si. Eu to cansado! Cansado de ver-te assim, nem perdido, nem salvo. Cada vez que penso sobre isso volto a vomitar. E no vômito só sai água. Água insípida. Incolor e inodora. Sem vida. Só água. Ao mesmo tempo traz a vida e a tira.
Não to nem aí pro que vão dizer. Sinto-me como se nunca pudesse ser feliz. Como se tentassem a todo instante me impedir. Tem minutos que entendo sua posição. Eu não tenho ninguém. Você deixaria os filhos. O primeiro amor, que por mais que não fosse amor, ainda era alguém que te amou. Quem se ama não se deixa para trás. Entendo você, mas como vou vomitar em paz? Como vou parar de vomitar? Por favor, Não se recolha de mim, pelo contrário. Se abra. Eu olho as noites e os dias passarem pela janela, vejo as pessoas e me sinto um vagabundo. Sem ofício, sem visão. Sem motivos para entender que estou amando sem ser amado. Deixando de lado as vestes e me aproximando da lua, nu, ouvindo os gritos, Jumento, Tarado, não me deixe assim. Vou me humilhar sim, perder-me no peitoril extenso e jogar lá de cima excrementos.
Não to nem aí. Quero apenas parar de vomitar, já que você não está aqui, vou parar de sofrer por sua causa. Eu vou é dar que eu ganho mais, quem sabe me apaixono por outro alguém. Ou então desistir de vez e deixar passar o sofrimento dos meus dias bebendo vinho e escrevendo as loucuras que vem a minha cabeça, pichando paredes e entretendo a vida com a morte, e atropelando a morte com a vida.
Eu olho os comprimidos ao lado do vinho no criado mudo, vejo a meia luz do meu quarto abraçando as cortinas encurraladas no canto da parede e me vem uma vontade imensa. Depois dessa longa discussão com o vazio, me dou o direito de morrer.

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