sábado, 29 de março de 2014

Ele, ele e a avó

Naquele dia, quando acordou percebeu o céu mais claro, não que no outro dia não estivesse, apenas sua vida cinza não lhe permitia enxergar a beleza à sua volta. A beleza dos dias, da natureza, dos pássaros, do amor. Mesmo vivendo na cidade, encontrava vestígios de uma natureza meio morta, semimorta, quasemorta, completa somente pelo canto do bem-te-vi que ficava no parapeito da janela. Ele ouvia sua avó na sala, terminando seu leite quente. E ninguém mais na casa percebia nada. Ela sabia que ele estava feliz, e não questionava nada, apenas sabia, e ficava feliz também. Acredito que para aqueles dois, a cumplicidade é apenas uma demonstração de amor. O dia passa, o almoço, o jantar, a casa barulhenta de novo. O seio amargo da sua família. A tristeza parece tomar conta de tudo novamente, então ele sai, olha as estrelas, vê o telefone, e pega a foto 3x4 que ganhou do seu amor no dia anterior, e pensa nele. O telefone toca, ele do lado de fora da casa, a foto 3x4 nas mãos, o beijo relembrado, a voz que se aproxima novamente, o céu estrelado ganhou mais estrelas. A avó dentro da casa observa a cena sentada no sofá ao lado da janela, sorri disfarçadamente, e quando perguntam a ela o motivo, ela diz: "é a novela". Todos pensam que ela tem problemas mentais... então os sonhos deles se unem, e mostram a felicidade guardada no coração daqueles dois... a cena se repetirá todos os dias, até que uma estrela se apague no céu.


domingo, 23 de março de 2014

A cultura da frieza

O mundo parece tão sem sentido ultimamente, nossas vidas andam perdidas, ninguém se olha nas ruas, e a cidade tornou-se cinza. Vendo deste modo parece triste, mas a maior tristeza apetece a alma quando você consegue olhar o mundo colorido, as pessoas felizes, se olhando, rindo, se beijando, se sentindo, e isso não acontece com você. Bem... Isso não parece triste, é desastroso, a alma se perde, a vida se perde, como se eu quisesse pegar água com as mãos, e ela escorre pelos meus dedos, que estão calejados demais, porque talvez meu coração esteja se refletindo na palma das minhas mãos. Eu não entendo como o mundo funciona, eu sou simples, ou talvez complicado demais, eu quero apenas amar verdadeiramente, não quero ter que me dedicar a uma falsa exposição porque a sociedade não pode permitir que eu diga eu te amo no segundo encontro, porque isso assusta... Que assuste então! Eu quero amar, eu quero me deixar amar... Desde o começo do século XX se instaurou essa cultura da frieza, dos corações gelados. Drummond disse “Os desiludidos do amor”, Florbela se suicidou pouco depois de descobrir “que quem disser que se pode amar durante a vida inteira é porque mente”. Eu nunca amei... Eu nunca fui amado... e tem sido difícil conviver com isso. Eu estou fazendo esse texto, como autor, como artista, tentando retratar a alma de tantas pessoas que passam por esse sofrimento, da falta das convenções sociais intrínsecas ao espírito. O que é conveniente tornou-se Deus. Deus se chama conveniência. A conveniência tem criado espíritos novos, e este novo Deus é frio como o ártico no inverno. É como se ninguém se visse. Hoje eu já não sei se quem se ama é apenas conveniente ou se ama de verdade. Manter um relacionamento está muito mais ligado à segurança pessoal do que ao sentimento. Baumam já nos disse isso “O relacionamento é um investimento”. Mas que merda! Será que o sexo e toda a intimidade formada a partir dele, do contato, do toque, do olhar, do beijo, do sonho, não significa nada para ninguém além de mim? Onde foi parar o cristo que dizia “amai-vos uns aos outros como a si mesmos”... De que adianta ser tão bom... seguir o (in)Feliciano (homicida e auto-homofóbico), e todos os seus comparsas e espalhar mentiras em nome de Cristo, se o principal mandamento não é seguido. Que vão à merda, você e a conveniência, e quem quiser amar, que venham comigo, que me sigam, que me amem, porque eu quero amar além das aparências.  Que enfiem a conveniência no cu, eu vou dizer eu te amo, no primeiro encontro se me der na telha, e se ninguém me desejar, se ninguém me desposar, morrerei honesto e seco. Se a conveniência criou o espírito de vocês, Deus criou o meu, que venham comigo, Florbela, Drummond, Bauman, que venham comigo brasileiros amantes de todas as tribos e culturas, o importante é o sentimento verdadeiro. Eu só quero comigo, os desiludidos do amor, o que acham que conseguirão amar a vida toda, os que pretendem se casar e ter filhos, por amor, não por medo, não por susto. Que o eu te amo seja celebrado como o espírito de Deus no meio dos homens, e não como um momento certo a dizer algo que pode se tornar estranho e amedrontado se dito em outro momento. Ahh meu Deus, quanto texto, quantas palavras dispersas e solitárias, quanto sentimento perdido aqui. E tu aí, sozinho, indo aos bares, com medo de dizer eu te amo, porque tem medo de ficar sozinho, e isso nem faz mais sentido.  Talvez você não chegue até o fim desse texto, talvez você não esteja aqui, nessa linha, talvez sua alma seja completa, e tu ames verdadeiramente, talvez você seja diferente do resto conveniente do mundo. Mas talvez, você seja como eu, sozinho, triste e abandonado, esperando amar de verdade, alguém que se importe, alguém com quem valha a pena se importar, alguém que possa ser tão triste, mas que possa me fazer tão feliz. Venham comigo “desiludidos”, vamos gritar ao mundo todo, “E agora José?”


quarta-feira, 5 de março de 2014

O último discurso

Meu sonho não é eterno,
Minha alma que é tão sombria,
O mais triste fim me aguarda.
Esse mundo estranho e fétido.
Esse beijo podre do diabo.
Minha alma sombria, minha luz que se esvai...
eu não beijo, não deixo, seu sonho vai...
nosso corpo entorna,
o seu seio me enforca,
e tudo continua triste...

Eu não vejo, não ouço, não tento...
não quero mais, basta me despedir de todos...
acho que a solução não é feliz, afinal.
Não tentem me impedir, pois só a morte,
limpa, tenra, sagrada, me retirará a dor
de nunca ser tão completo,
de sempre estar abandonado
pelos homens do nosso tempo.

Os falsos estranhos homens do nosso tempo.
São eles os culpados. Eu não aguento mais.
Tanta injustiça. Mas vai acabar, em lamúrias vai acabar...
Em choro vai acabar. Logo logo vai acabar,
o beijo vai embora, o cheiro vai embora, nada vai ficar...
nem a lembrança
nem a poesia
nem o sonho,
tudo vai para nunca mais voltar. Afinal,
somos todos tão frágeis.
Quem se importa?

Acho que vou embora
tudo vai acabar,
nada vai ficar.
Vou me matar...

terça-feira, 4 de março de 2014

tristes estações

Os dias são tensos...
escuros, energúmenos transeuntes.
São nublados, petrificados,
são tristes, a nebulosidade é o começo.

As noites tão supremas, no iluminar noturno,
no som que se apresenta,
nos grilos a tocar sinfonias barrocas,
no mato a tintilar, e a coruja que me encanta.

As noites vivo, abundantemente.
De dia,  penosamente sobrevivo.

Nas noites os amores são formados.
Nos dias, o suor, o cansaço.
Aqui no fim do mundo, um beijo enevoado,
do meu tenso trabalho, meu peito entrecortado.

Me beije o luar, pois o sol me mata, me tortura.
a fome vai embora, o beijo se demora
o sono que me apressa, nem sempre me regressa
aos bons tempo de criança, sujando a boca, vitória!
do pequeno time da rua, das disputas mundiais.

Tudo isso na infância, na adultice,
que chatice, o dia é só desgosto, rezo
vai embora, não prolongue
e a noite vem, linda e uniforme, 
e eu peço só, beije-me meu amor
Embebeda-me, minha alma, há muito tempo, dorme.


segunda-feira, 3 de março de 2014

O cenário sujo

Beijos doces no cenário
no seu cenário disfarçado
no seu inferno preparado
no seu berçário iluminado
no seu caminho apedrejado
no seu corpo violado
no seu luto transformado
no seu sexo inundado
no seu pênis estourado
no seu sêmen vazado
no seu prato angustiado
no seu lábio desfocado
enfim, beijos doces no cenário.

Fodam-se

Faço poesia porque posso
porque quero
porque não sei falar de forma menos inteligente
porque sou pretensioso
metido
arrogante, e quero que 
fodam-se.

Faço o que quero, quando quero
ofendo deus porque não tenho medo dele
porque não tenho medo do inferno
nem do capeta, nem do seu julgamento inútil
passo fome se precisar, mas não me rendo
porque sua alma está condenada
por causa da sua idiotice
podre

Faço poesia porque eu posso
você não pode
você não quer
você tem medo
é pequeno
sim, arrogância... eu amo ser assim
me faz bem, e vocês
bem, vocês... fodam-se.

Passion

Amor? não, não existe amor...
existe interesse.
troca,
impaixão,
passion.
Sim, isso existe:
a paixão pelo dinheiro.
pelo que é bom...
isso existe:
a paixão pelo status,
pelo pão (não o de comer).
sim, isso existe: paixão
amor? não, amor não existe
tola ilusão
caminho campestrados
flores ilustradas
sonhos e luares
olhos e olhares
não? não! isso: amor
amor não existe,
o que existe é interesse
é paixão.

Titã - Para Rimbaud

Pobres, meros, sujos
são teus olhos assim podres,
são teus beijos assim mundanos,
os meus seios cheios de amores,
os meus lábios são profanos.

Imundos!
São teus corpos repintando
a poesia que já existe.
A perfeição se criando
das minhas formas, minha pele resiste.

Insanos, são vocês, crápulas, loucos.
São suas mentes já tão levianas,
seus pensamentos na superfície.
Pobres coitados, minha alma me ama.
Meu falo, meu espírito, meu cérebro, isso, me disse.

domingo, 2 de março de 2014

Poema da despedida

te deixo para trás
todo perdido de si mesmo
sem saber se quer se encontrar
sem saber se me quer encontrar
se precisa encontrar teu eu
meu coração no teu
sei que não precisa disso
por isso te abandono
me despeço, te deixo para trás
todo solitário, e longe de mim
e minha solidão se faz mais presente
mas eu te deixo mesmo assim
mais vale um amor verdadeiro
uma falsa demonstração de carinho
te deixo

depois de sonhar
depois de beijar
depois de apaixonar
depois de querer
depois de casar
te deixo

meu sonho me completará
não tem problema, 
não faz diferença, sozinho
estou sempre, 
mas eu preciso dizer, 
me despeço de ti, 
meu amor eterno que morreu
meu laço interno que secou
meu coração que não levou mais sangue às flores da alma
te deixo

te queria, mas te deixo
me despeço finalmente
de todo o mal que fez
de toda a luta que travou
com meu sentimento triste
meu podre coração
meu pobre insensato ser

meu luto
minha alma negra
choro
triste
quero
sonho
vejo

te deixo, em sonho
em foto
te deixo, te vejo
te quero, te deixo

Irmã - Especial para Luana Benevides

É desde o nascimento
é, desde o primeiro olhinho abrindo sono
é, as mais poderosas brigas do universo
é, os brinquedos esquecidos da infância
é, o ursinho de pelúcia que foi de todo mundo
é, a mais chata e intolerável
é, enquanto fico sozinho
é cúmplice.

É uma profissional
é, sempre minha irmazinha
é que ela nunca vai crescer.
É que eu vou te pegar na escola ainda,
é que eu sempre acho isso.
é que eu odeio quando mexem com você
é... e não adianta ser adulta porque sempre será criança
é simples meu amor de irmão.
é sem nenhuma explicação.
é que te desejo do fundo do coração. Sempre o que há de bom.

É que eu só quero para sempre ser
teu irmão.

sábado, 1 de março de 2014

A mutação do mundo depressivo

Talvez o amor não exista, talvez a simples menção ao amor eterno, a conjuração de uma sociedade que ama e convive pacificamente, a transformação do corpo e da alma em algo bom. Talvez tudo isso não exista. Talvez não exista o bom, o deus, o anjo, o sonho. Talvez, eu esteja sempre despreparado, sempre sozinho, sempre triste e preso em lamúrias de expressão e dor. Talvez eu apenas queira ver um olhar sorridente, mas é pedir muito. Talvez eu apenas queira ver um beijo nascendo do alto de meu semblante, que se formaria contente, e que deixaria escapar um sorriso verdadeiro pela primeira vez. Talvez eu queira apenas algo simples, e desejoso. Talvez eu pense melhor em ser o mais perfeito e tenro companheiro que alguém possa querer. Mas aí vem o Talvez e joga tudo pro alto, e abandona aos olhos do destino algo que talvez nunca acontecerá levando inclusive consigo as esperanças de um mundo melhor. E aí eu digo: Talvez o amor não exista. Talvez é uma quase certeza, talvez que se forma esperançoso, porque eu não quero destituir-me de vez. Talvez sinta o que emana das pessoas, e veja também dentro delas esse desespero angustiado, e talvez eu apenas sonhe em ser uma pessoa realmente melhor, e talvez eu queira me doar aos outros para me sentir menos pior. Talvez eu beije o meu próprio corpo na busca de carinho, talvez eu siga o caminho escuro, talvez eu afronte todo mundo, talvez eu peça desilusão, desrespeito, desamor. Talvez eu apenas queira um abraço. O seu abraço, o seu sorriso, o seu respeito. Talvez eu peça para não me abandonar, mas esse talvez já foi. Você me abandonou, todo mundo me abandonou, e eu não queria me abandonar, mas talvez eu faça. Porque talvez tudo que eu sempre desejei foi ser desejado. E de talvez em talvez isso nunca aconteceu, e eu continuo aqui, pensando e pensando e chorando e refletindo, que talvez, mas só, talvez. Diante de todo esse mundo desesperado e triste e amargurado e violento e egoísta, diante dessas pessoas que agora estão aqui abandonadas me ouvindo, me lendo, me vendo, talvez essas pessoas que nesse único momento estejam sentindo algo, porque quando esse texto acabar, o talvez acabará e ela-ele, voltará ao seu egoísmo. Porque talvez essa pessoa seja o próprio amor desalmado, o próprio cupido criado pelo demônio. O próprio demônio? Talvez? Quem sabe? cade deus agora? Talvez, ele não exista. E se deus é amor, bem. Talvez, só talvez... talvez o amor não exista.