quarta-feira, 31 de julho de 2013

Textículo final

Quero me amparar no seu peito, me encostar, sentir teu corpo, talvez seja uma confissão, ou uma memória futura. Contudo, qual o problema com a memória? Brás Cunas também as tinha. Eu já não sei como me comportar, porque sua presença se vai, e ao longe não sinto sequer o meu amor, sequer a minha paz. Minha angústia é célere. Minha raiva é oprimida, e eu continuo aqui, sozinho, perdido, e sem esperança; Se as vezes me afundo nas histórias, quero substituir a minha, se me vejo de frente, se encaro-me, tento apenas ler um poema, pára mudar o foco da mente. Nem as músicas mais, são alegres. Eu sinto mais frio, e a vida não tem mais sentido. Conseguiram enfim.

domingo, 21 de julho de 2013

Pensamento

As circunstâncias atuais, são só as circunstâncias atuais, nada mais, nada que não possa ser superado. Nunca é tarde para a felicidade.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Sobre a Poesia - Vinicius de Moraes


MORAES, Vinicius de. Para viver um grande amor: Crônicas e Poemas. Rio de Janeiro: Editora do autor, 1962. p.57-58

Não têm sido poucas as tentativas de definir o que é poesia. Desde Platão e Aristóteles até os semânticos e concretistas modernos, insistem filósofos, críticos e mesmo os próprios poetas em dar uma definição da arte de se exprimir em versos, velha como a humanidade. Eu mesmo, em artigos e críticas que já vão longe, não me pude furtar à vaidade de fazer os meus mots de finesse em causa própria – coisa que hoje me parece senão irresponsável, pelo menos bastante literária.
Um operário parte de um monte de tijolos sem significação especial senão serem tijolos para – sob a orientação de um construtor que por sua vez segue os cálculos de um engenheiro obediente ao projeto de um arquiteto – levantar uma casa. Um monte de tijolos é um monte de tijolos. Não existe nele beleza específica. Mas uma casa pode ser bela, se o projeto de um bom arquiteto tiver a estruturá-lo os cálculos de um bom engenheiro e a vigilância de um bom construtor no sentido do bom acabamento, por um bom operário, do trabalho em execução.
Troquem-se tijolos por palavras, ponha-se o poeta, subjetivamente, na quádrupla função de arquiteto, engenheiro, construtor e operário, e aí tendes o que é poesia. A comparação pode parecer orgulhosa, do ponto de vista do poeta, mas, muito pelo contrário, ela me parece colocar a poesia em sua real posição diante das outras artes: a de verdadeira humildade. O material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e sublime. Seu instrumento é a palavra. Sua função é a de ser expressão verbal rítmica ao mundo informe de sensações, sentimentos e pressentimentos dos outros com relação a tudo o que existe ou é passível de existência no mundo mágico da imaginação. Seu único dever é fazê-lo da maneira mais bela, simples e comunicativa possível, do contrário ele não será nunca um bom poeta, mas um mero lucubrador de versos.
O material do poeta é a vida, dissemos. Por isso me parece que a poesia é a mais humilde das artes. E, como tal, a mais heróica, pois essa circunstância determina que o poeta constitua a lenha preferida para a lareira do alheio, embora o que se mostre de saída às visitas seja o quadro em cima dela, ou a escultura no saguão, ou o último long-playing em alta- fidelidade, ou a própria casa se ela for obra de um arquiteto de nome. E eu vos direi o porquê dessa atitude, de vez que não há nisso nenhum mistério, nem qualquer demérito para a poesia. É que a vida é para todos um fato cotidiano. Ela o é pela dinâmica mesma de suas contradições, pelo equilíbrio mesmo de seus pólos contrários. O homem não poderia viver sob o sentimento permanente dessas contradições e desses contrários, que procura constantemente esquecer para poder mover a máquina do mundo, da qual é o único criador e obreiro, e para não perder a sua razão de ser dentro de uma natureza em que constitui ao mesmo tempo a nota mais bela e mais desarmônica. Ou melhor: para não perder a razão tout court.
Mas para o poeta a vida é eterna. Ele vive no vórtice dessas contradições, no eixo desses contrários. Não viva ele assim, e transformar-se á certamente, dentro de um mundo em carne viva, num jardinista, num floricultor de espécimes que, por mais belos sejam, pertencem antes a estufas que ao homem que vive nas ruas e nas casas. Isto é: pelo menos para mim. E não é outra a razão pela qual a poesia tem dado à história, dentro do quadro das artes, o maior, de longe o maior número de santos e de mártires. Pois, individualmente, o poeta é, ai dele, um ser em constante busca de absoluto e, socialmente, um permanente revoltado. Daí não haver por que estranhar o fato de ser a poesia, para efeitos domésticos, a filha pobre na família das artes, e um elemento de perturbação da ordem dentro da sociedade tal como está constituída.
Diz-se que o poeta é um criador, ou melhor, um estruturador de línguas e, sendo assim, de civilizações. Homero, Virgílio, Dante, Chaucer, Shakespeare, Camões, os poetas anônimos do Cantar de Mío Cid vivem à base dessas afirmações. Pode ser. Mas para o burguês comum a poesia não é coisa que se possa trocar usualmente por dinheiro, pendurar na parede como um quadro, colocar num jardim como uma escultura, pôr num toca-discos como uma sinfonia, transportar para a tela como um conto, uma novela ou um romance, nem encenar, como um roteiro cinematográfico, um balé ou uma peça de teatro. Modigliani – que se fosse vivo seria multimilionário como Picasso – podia, na época em que morria de fome, trocar uma tela por um prato de comida: muitos artistas plásticos o fizeram antes e depois dele. Mas eu acho difícil que um poeta possa jamais conseguir o seu filé em troca de um soneto ou uma balada. Por isso me parece que a maior beleza dessa arte modesta e heróica seja a sua aparente inutilidade. Isso dá ao verdadeiro poeta forças para jamais se comprometer com os donos da vida. Seu único patrão é a própria vida: a vida dos homens em sua longa luta contra a natureza e contra si mesmos para se realizarem em amor e tranqüilidade.

O mosquito

Parece mentira
De tão esquisito:
Mas sobre o papel
O feio mosquito
Fez sombra de lira!


Montevidéu, 1959

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Textículo V – Carta ao futuro amor


Queria eu ter a beleza do seu corpo, mas está longe de mim, como se a distancia fosse um obstáculo impossível, como se o mundo todo não deixasse que eu te visse. Meu amor se congela no peito, e nenhuma guerra transformará minha vontade. A tua bondade é tão infinita, o teu carinho é tão doce, sua pele tão branca e a barba tão macia, me trata apenas como um príncipe destronado, parece ter pena. Nasci no destrono. Amor meu. Não me faça escolher nesta carta o amor ou a morte, eu não sei dizer o que se parece mais com a nossa relação, se você não me deixa feliz penso estar morto, esquecido; mas ao mesmo tempo me sinto amado e adorado, e de longe, e mesmo de longe eu consigo sentir a alegria que me dá vida, e que brota como uma orquídea rara no peito fraco. Meu coração que bate vagaroso não se limita a mim, parece expandir-se até você, como se nosso espírito fosse um, e nossa alma (mesmo no singular) demonstrasse qual é a necessidade que sinto tanto, o meu amor morto, que parece nunca renascer.