domingo, 20 de julho de 2014

O cego e o poeta


Ele olhava para o lado. Sentia como se as borboletas quisessem machucá-lo. Panapaná passara a pouco. A floresta ficou colorida. Tão colorida. Mesmo assim algumas árvores estavam escuras porque pouca luz do sol raiava embaixo das copas. E também porque pouco a pouco perdia sua visão. O médico disse um pouco antes, uns dias antes: Não tem jeito, vai ficar cego logo. A crueldade do médico era tamanha... que a mãe ouvira assim: vai ficar cegueta seu moleque, logo logo. Então ele sentia como se as borboletas fossem matá-lo, deixá-lo na escuridão tenra, sombria, triste, magoada, acalentosa. Ele sentia... panapaná... Elas iam e voltavam... de todas as cores, e traziam as memórias dos beijos de dos abutres. E ele lembrava dos sonhos e dos calores, dos quentumes. Ele via a memória, que ia se apagar como a chama consome um papel. Era assim. Ninguém sabia do fato, mas as coisas estavam acontecendo depressa. Ele olhava para tudo e via tudo se apagando. Os poemas eram raros, as obras de arte que tanto gostava eram escuras. A vida ficou sofrida. Então ele conheceu outro ele... As coisas mudaram de um dia para o outro. A intensidade. A lembrança do amor renasceu de outra forma. A rua silenciosa revelava um ambiente neutro, úmido e propício para o primeiro beijo. Foi linda a forma como se conceberam. Entre os apreços dos pais, as irmãs que se consentiam, o abraço do amor que surgia. Ele parecia um anjo. Cheio de uma luz que não se apagava. Estava quase cego, mas o amor renascia trazendo-lhe claridade. O toque foi valorizado. O beijo revelou um processo de cura. Não era milagre, ele via com o toque, com os sons. A cada toque imagens psicodélicas se formavam, a cada som cores fosforescentes apareciam na mente. As ondas sonoras revelavam um rosto lindo, diferente. Ele já estava cego por completo. Toda a retina escura, comida pelas traças de um mundo particular não explorado. Não era cena de romances, de poemas, de novelas, de cinema. Era diferente. Um amor diferente. Uma paixão diferente. O mundo todo esperava pela libertação de um amor verdadeiro, presente no coração de todos os homens. Proibido. Então: Num escuro de sons e toques chorou. Num piquenique, numa reserva florestal, um parque, em que os guaxinins tentavam roubar comida: Ele viu, do seu modo. Panapaná passava por ali. O beijo o fez ver o mundo de outra forma: Uma aliança em um morango. Os dois se casaram pouco tempo depois, no meio de um bosque.